Por que cada vez mais mulheres têm buscado métodos anticoncepcionais sem hormônio

Foram quatro anos de uso até que decidiu ir em busca de outro método. Beatriz Sabô tinha 21 anos quando resolveu parar de tomar pílula anticoncepcional. Daí em diante, iniciou um processo de estudos, pesquisa e conhecimento de seu corpo para descobrir o que fazia mais sentido para ela em sua vida, naquele momento. “Eu parei de utilizar a pílula após ler relatos de mulheres que foram hospitalizadas por causa dela, entre outros fatores, e me reconhecer nos sintomas”, contou ao HuffPost Brasil.

Fora isso, outra informação fez com que tomasse essa decisão. “Antes de começar o uso eu já tinha sido diagnosticada com enxaqueca mas a médica ginecologista da época não me falou sobre o entendimento da OMS [Organização Mundial da Saúde] de ser expressamente não recomendado o uso de anticoncepcionais combinados [sejam pílulas, injetáveis, adesivos e anéis] por mulheres de qualquer idade que tenham enxaqueca com aura pelo altíssimo risco de derrame cerebral”. Parou. E muitas outras coisas mudaram. “Meu corpo precisou de mais de 6 meses para funcionar de forma natural, sem ser controlado por hormônios sintéticos. Tive muitos problemas com acne (que eu já tinha antes de tomar o anticoncepcional e que não é tratado por ele) e queda de cabelo”. 

Pílula anticoncepcional têm sido substituida por mulheres com frequência. Mas não se arrepende. Após esse primeiro passo, outras decisões vieram. “Hoje eu utilizo o preservativo (principalmente o masculino/peniano), também possuo o diafragma e sou adepta da percepção de fertilidade em que analiso sinais como o muco cervical, a temperatura basal e a altura e textura do colo do útero. Eu passei a estudar muito após cessar o uso [da pílula].

Nesse mesmo tempo eu participei pela primeira vez de uma oficina de ginecologia autônoma e natural e um outro mundo se abriu. Segui meu estudo aliando as duas áreas de conhecimento: direitos Sexuais e Reprodutivos e Ginecologia autônoma e natural”. Hoje, Beatriz é mestranda em Bioética pela UnB – Direitos sexuais e reprodutivos, terapeuta menstrual e criadora do projeto Vulva Política. E essa busca por métodos contraceptivos não hormonais e alternativas mais naturais para evitar uma gravidez é uma realidade para muitas mulheres.

De acordo com a ginecologista natural e obstetra humanizada Debora Rosa, o movimento ainda pode ser considerado pequeno, mas há de fato um aumento na busca por esses tipos de métodos. “Está aumentando, [mais mulheres] veem que saúde não é só não ter doença, saúde não é só bem estar físico”, explica e já deixa claro também: “Não existe o melhor método. O melhor é o que se adéqua ao casal e ao período de vida da mulher e não é o médico que tem que escolher. A mulher é especialista dela mesma. O médico é um instrumento de saber. Estudei 12 anos para passar esse conhecimento. Cabe a mulher e ao casal tomar essa decisão”.

O médico é um instrumento de saber. Estudei 12 anos para passar esse conhecimento. Cabe a mulher e ao casal tomar essa decisão.

Beatriz também enfatiza a importância de olhar para essa escolha e decisão de forma ampla, levando em consideração diversas questões. “Acho bastante importante trazer que não concordo com a demonização dos métodos contraceptivos hormonais e da medicina. Críticas e querer uma mudança de paradigma é diferente de demonizar algo que tem sim sua importância e lugar”, aponta. ”Às vezes poderá ser necessário fazer uso de método contraceptivo hormonal principalmente diante da violência sofrida por mulheres em relacionamentos abusivos, por exemplo.”

Apesar de haver uma busca maior por métodos não hormonais, ainda existem algumas resistências e preconceitos em relação a eles. “Os principais mitos circulam, ao meu ver, pela taxa de eficácia levando em consideração o uso ideal e típico dos métodos contraceptivos como um todo. Como o anticoncepcional é o mais sugerido pelos médicos ginecologistas, passamos a acreditar que apenas ele é seguro e isso não é verdade. Nenhum método contraceptivo possui 100% de eficácia”, explica Beatriz. 

O uso ideal e o uso típico a que ela se refere faz diferença na taxa de eficácia dos métodos. O uso típico é quando o método não é usado todas as vezes e da forma indicada (no caso da pílula, por exemplo, quando a mulher esquece de tomar algum dia e no caso da camisinha quando o casal não utiliza em todas as relações ou começa a relação sem e coloca depois). Já o uso perfeito é quando o método é usado em todas as relações sexuais de acordo com todas as instruções.

For a isso, Beatriz acredita que as pessoas ainda têm preconceitos. “O preconceito contra métodos contraceptivos não hormonais ou naturais se dá muito pelo desconhecimento do mecanismo de ação, do próprio ciclo menstrual e entendimento do corpo. Está muito bem fundamentado pelo o que a indústria farmacêutica e de produtos médicos está difundindo como sendo o melhor e mais moderno”, avalia.

Débora também percebe alguns mitos em relação ao uso de diversos métodos contraceptivos. “O DIU falam que não pode pra quem não teve filho, que é abortivo. O que acontece é que como em todos os métodos, existe falha. A sociedade e as indústrias farmacêuticas muito modernas tentam colocar os métodos naturais com certo deboche e o DIU, que é muito eficaz, gera vários mitos e porque não tem mito contra a pílula? É porque tem uma indústria forte e rica por trás. A percepção da fertilidade é vista com muito deboche e a gente não é empoderada para se autoconhecer, as mulheres não podem ter esse poder, porque o autoconhecimento é poder”.

No fim das contas, o que especialistas na área defendem é que seja analisado o momento de vida da mulher para que essa escolha seja feita de acordo com o que realmente faz mais sentido e que se busque informações sobre o assunto. Fora isso, recomenda-se o uso combinado de métodos, novamente lembrando que somente a camisinha protege de infecções e doenças sexualmente transmissível.