Ciclo de Cinema e Psicanálise debate o premiado longa Pieces of a Woman
A cada
quinze dias, o Ciclo de Cinema e Psicanálise (programa realizado pelo
MIS, instituição da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Governo do
Estado de São Paulo, em parceria com a Folha de S.Paulo e a Sociedade
Brasileira de Psicanálise de São Paulo - SBPSP) traz debate virtual sobre um filme mediado por Luciana Saddi,
coordenadora de Cinema e Psicanálise da Diretoria de Cultura da SBPSP. Em
seguida, o público pode participar com perguntas no chat da transmissão ao vivo,
integrando novas perspectivas sobre a obra discutida.
No dia
27 de abril, o programa discute o filme Pieces of a Woman (dir. Kornél
Mundruczó, EUA, 2020, 128 min, 16 anos, disponível na Netflix), que acompanha a
jornada emocional de uma mãe que acaba de perder seu bebê. Produzido por Martin
Scorsese, o longa estreou em 2020 no 77º Festival Internacional de Cinema de
Veneza, que deu a Vanessa Kirby o prêmio de Melhor Atriz – e cuja atuação
também rendeu a Kirby a indicação no Oscar 2021 de Melhor Atriz. Para o debate,
a mediadora Luciana Saddi recebe as convidadas Elza Magnoler, psicanalista da
SBPSP, e as editoras do blog Morte sem Tabu, a roteirista e redatora Camila
Appel e a escritora e jornalista Jéssica Moreira. A
conversa acontece às 20h, ao vivo, no canal do MIS no YouTube.
O MIS agradece aos
patrocinadores, apoiadores institucionais e operacionais e patronos: Youse,
Kapitalo Investimentos, Cielo, TozziniFreire Advogados, Bain & Company e
Telhanorte.
Sobre o filme – Pieces of Woman
(disponível na Netflix)
“Pieces of a Woman, de
Kornél Mundruczó, narra a “saga” do casal Marta e Sean, interpretados por Vanessa
Kirby e Shia LaBeouf, prestes a ter sua primeira filha - e os
desdobramentos dolorosos subsequentes ao momento inicial tão investido e
sonhado. O diretor nos mostra como o casal idealizou e se preparou para a
chegada da pequena Ivett. Em clima de idílio amoroso, Marta e Sean parecem
gloriosos e seguros. As primeiras contrações revelam a escolha pelo parto
domiciliar “humanizado”. Aos poucos, à medida que surgem dificuldades como a
ausência da parteira de eleição substituída por uma enfermeira obstétrica
desconhecida, e o prolongamento do trabalho de parto, a sensação inicial de
plenitude vai se desfazendo. A tensão cresce de forma desesperadora e
proporcional à diminuição dos intervalos entre as contrações. O que era para
ser “o” momento mágico se torna um pesadelo repleto de dor física e emocional,
claustrofobia, impossibilidade e angústia – sem alívio nenhum para o
espectador. Sem alívio nenhum também para os personagens apavorados, exaustos
de dor e impotentes.
Os 30
primeiros minutos de Pieces of a Woman podem constar de seleta lista de
filmes que apresentam os 30 primeiros minutos mais terríveis e exasperantes do
cinema. E, como se não bastasse tal sofrimento, ainda há pela frente inúmeras
consequências dramáticas e trágicas posteriores à morte da recém-nascida.
Em pedaços,
cada personagem reage à perda de forma singular. Sean procura desesperadamente
anestesiar a dor, o sentimento de insuficiência e a culpa. Marta se
retrai e se distancia do mundo. A perda de sentido da vida, o desinvestimento
libidinal típico do luto e a raiva (voltada contra si ou contra o
outro) – tão característica da melancolia – são explorados
de maneira contundente e profunda pelo diretor e pela roteirista Kata Wéber. O filme também apresenta outras
formas de elaboração do luto por meio, principalmente, da mãe de Marta,
representada por Ellen Burstyn. E ainda trata das dificuldades dos familiares
em lidar com perdas.
O trabalho dos
atores é excepcional, o roteiro de Kata Wéber é bastante original e Kornél
Mundruczó domina com precisão de tirar o folego a arte de narrar história épica
e intima. Os personagens, heróis caídos, revelam que perdas são parte do jogo
da vida, mas nem por isso estão minimamente preparados para enfrentá-las.
Em “Luto
e melancolia” (1917), Freud explora as diferentes reações diante das
perdas. Curiosa e paradoxalmente considerou que tais diferenças de
enfrentamento se dão pelas formas de ligação com os objetos de amor. As várias
maneiras de ligação configuram as diversas maneiras de enfrentar perdas.
Ligações narcísicas, idealizadas, em que não há distinção entre o objeto de
amor e o Eu tendem à melancolia. Nesses quadros aparecem acusações incessantes
de culpa e fracasso repletas de ódio a si mesmo e de dor. Já ligações em que
prevalece diferenças entre o Eu e o objeto de amor tendem ao trabalho de luto.
Trabalho árduo e enlouquecedor. A tristeza pela perda e o vazio da ausência são
duramente vividos. Os silêncios de Marta são indicativos do vazio e da ausência
e, também, da forma como ela procura reunir seus pedaços. Não é possível voltar
a ser a Marta de antes, mas é possível o resgate da hecatombe e prosseguir com
remendos”, comenta Luciana Saddi.
Debatedoras:
Elza Magnoler é psicóloga formada pela PUC-SP, psicanalista
membro efetivo da SBPSP, docente do Núcleo de Psicanálise de Marília e Região
da SBPSP e do Núcleo de Psicanálise de Araçatuba (NEPA). Foi diretora regional
da SBPSP (2019/2010) e é fundadora, diretora e docente do Instituto de Estudos
Psicanalíticos de Bauru. É ex-docente da Universidade do Sagrado Coração (USC
Bauru), da Universidade Estadual Paulista (Unesp Bauru), da Universidade de São
Paulo (USP Bauru).
Camila Appel é formada em administração de Empresas pela
EAESP-FGV e mestre em Antropologia e Desenvolvimento pela London School of
Economics (LSE). É redatora do programa “Conversa com Bial”, da TV Globo, e
roteirista da série documental “Em nome de Deus”, do GloboPlay.
Jéssica Moreira é escritora, jornalista e cofundadora do Nós, mulheres da periferia. Moradora de Perus (SP), é uma das autoras dos livros “Heroínas dessa história“ e “Queixadas – por trás dos 7 anos de greve”.
Mediação: Luciana Saddi - Coordenadora de Cinema e Psicanálise da Diretoria de Cultura e Comunidade da SBPSP